MAXIMALISMO DOS MERCADOS DA DARKNET
Um Manifesto por xenu
Traduzido por bitsats
Em algum momento ao longo do caminho — é difícil dizer quando — a contracultura foi subvertida. O que antes era uma descoberta tecnológica assustadora e disruptiva se transformou em um veículo sensacionalista de apostas. As bandeiras de Gadsden foram substituídas por gráficos de preços, e os cypherpunks foram abafados por influenciadores de redes sociais. Muitos dos veteranos ainda se apegam à crença de que a completa erosão da aura do Bitcoin não aconteceu, de que a colaboração com as finanças tradicionais é, na verdade, algo positivo, de que o uso em reservas estratégicas por Estados-nação demonstra maturidade e legitimidade, e de que escapar das chamadas origens decadentes da Silk Road significa que o Bitcoin finalmente pode se tornar dinheiro global. Mas todos nós sabemos que isso é uma farsa, porque o que um dia foi rotulado como um sistema de dinheiro eletrônico peer-to-peer agora não passa de uma ação de tecnologia glorificada.
E é por isso que eu proponho o maximalismo dos mercados da darknet.
Deixe-me ser claro: isso não é um endosso a atividades ilícitas, nem um incentivo ao crime. É, antes, o reconhecimento de que o maior grupo de pessoas que depende de criptomoedas peer-to-peer são os indivíduos que participam de mercados negros na internet e que, por extensão, se imaginarmos uma situação que exija uma forma privada e testada em batalha de moeda digital, seria lógico que ela seguisse o que já está sendo adotado nas economias subterrâneas de drogas. Pense: que tipo de pessoa usa criptomoeda como utilidade e não como uma conta de poupança? Quem fica aflito por não ter acesso à criptomoeda? Quem leva a criptomoeda a sério, como questão de liberdade ou prisão, e não como uma piada ou meme? A resposta são justamente os indivíduos que compõem esses mercados da darknet, porque se a criptomoeda desaparecesse magicamente, a economia subterrânea da internet entraria em colapso da noite para o dia.
O dinheiro digital incensurável tornou possível que o cidadão comum fizesse coisas não aprovadas por governos, e isso tem implicações mundiais tremendas, como a eliminação bem-sucedida de práticas como discriminação de preços, mineração de dados ou publicidade direcionada. Também se tornou possível doar para movimentos políticos ao redor do mundo de forma segura e anônima, e fazê-lo com um patrimônio criptografado, cuja prova só pode ser revelada pela sua chave secreta e pela sua decisão consciente de divulgar ou não essa informação. Apesar da tomada completa de todos os instrumentos ou meios financeiros tradicionais, o Estado tem pouco controle sobre as redes de nós de dinheiro peer-to-peer, hospedadas por voluntários apaixonados ao redor do mundo — e isso não é resultado de bilhões de dólares investidos por Estados-nação, mas da determinação de criptoanarquistas inseridos em comunidades de código aberto. De fato, o Bitcoin foi criado, em um dia fatídico, por um desses entusiastas anônimos que frequentava uma lista de e-mails dos cypherpunks. É, possivelmente, a maior conquista de código aberto da história — e ainda estamos tentando compreendê-la.
Eu entendo que a dark web carrega notoriedade e estigma, mas isso é uso no mundo real. É adoção baseada inteiramente em dinheiro peer-to-peer. É uma régua de medida que podemos apontar e dizer: está acontecendo. Não é algum devaneio especulativo, do tipo que enche aqueles terríveis podcasts de criptomoeda que clamam por um mundo governado pelo blockchain. É realidade — e aqueles que evitam essa conversa não valem nosso tempo. Alguns podem protestar e dizer que essa associação é prejudicial, mas essas pessoas não entendem o jogo que está sendo jogado: do ponto de vista do Estado, um cidadão cumpridor da lei que defende a privacidade é visto como tão perigoso quanto o viciado tentando conseguir sua próxima dose. Portanto, embora a marca polarizadora de um “maximalista dos mercados da darknet” possa causar desconforto em alguns, ela não passa de um reflexo de como eles veem você.
Preciso confessar ao caro leitor que o termo “maximalismo dos mercados da darknet” é uma provocação irônica. Tenho plena consciência de que o estranho, ao ler o título deste manifesto, imediatamente chegará à conclusão equivocada de que estamos todos obcecados em derrubar o governo, que somos todos criminosos ou talvez até ciberterroristas. Mas este texto não é para eles. Nós somos cypherpunks que defendem software livre e de código aberto, e entendemos a longa batalha que temos pela frente. Eles já nos rotulam como vilões com algo a esconder, e é por isso que reconhecemos isso de forma brincalhona, assumimos essa narrativa e moldamos a conversa em torno de por que o software livre e de código aberto teria esse estigma em primeiro lugar. Além disso, hoje em dia existem tantos tipos diferentes de “maximalistas” que é fácil perder a conta. Por exemplo, eu poderia facilmente me chamar de maximalista do dinheiro digital ou maximalista da privacidade. Mas nesta era em que a atenção é difícil de conquistar, às vezes algo chocante — especialmente algo com razão por trás — é importante para que as pessoas prestem atenção. Da mesma forma, a explosão dos mercados da darknet no início dos anos 2010 gerou enorme interesse no Bitcoin. E, ao trazer o uso dos mercados da darknet para o foco, adicionamos uma vantagem à criptomoeda que foi esquecida, mas que é absolutamente necessária para a proliferação de longo prazo de economias paralelas que ameaçam o status quo da moeda fiduciária.
Antes de concluir esta introdução, gostaria de tirar um momento para reconhecer aqueles que hoje de fato usam criptomoedas, que promovem economias paralelas e que intencionalmente lutam pela adoção. Mesmo que eu possa ter opiniões diferentes em alguns pontos, eu realmente aprecio que ainda existam aqueles que carregam a tocha. Porque não é verdade, de forma alguma, que a criptomoeda seja apenas para uso ilícito. Mas, infelizmente, somos minoria — e bastante. A esmagadora maioria do uso de criptomoedas hoje se tornou aposta especulativa, e isso só vai piorar a menos que resistamos. O paradoxo ridículo é que, após rebranding da criptomoeda para um ecossistema amigável que não é apenas para criminosos, perdemos a intensidade transformadora que fazia do dinheiro peer-to-peer algo tão poderoso desde o início.
E por isso, precisamos retornar às raízes — e nos tornarmos maximalistas dos mercados da darknet.
Antes de podermos entender por que o maximalista dos mercados da darknet é esclarecido, precisamos examinar a raiz de todos os problemas da criptomoeda — o moonboy. Ao contrário do que você possa pensar, os problemas que assolam a criptomoeda não são, por exemplo, as batalhas regulatórias com o Estado, as limitações tecnológicas do blockchain ou a necessidade de melhorar a opinião pública sobre criptomoedas. Esses três pontos, entre outros, só são problemáticos do ponto de vista do moonboy. Mas, da perspectiva do maximalista dos mercados da darknet, o verdadeiro problema é a inevitável condição humana da ganância — e não há exemplo melhor disso do que a estridente e patética subclasse dos moonboys, cuja participação no ecossistema das criptomoedas se resume a especulação febril e obsessão por gráficos. A situação crítica em que o dinheiro peer-to-peer se encontra é resultado direto desse ataque contínuo de 51% na opinião pública conduzido pelo moonboy, que fez de tudo para corroer a alma da criptomoeda na última década.
O moonboy é um cypherpunk apenas de nome, proclamando em vão seu amor por Satoshi em tentativas de parecer culto. É fraudulento, arrogante, tribalista e ingênuo. Muitos deles não gastam tempo algum aprendendo sobre software livre e de código aberto, preferindo se deliciar com porcarias proprietárias, sendo sua única “contribuição” ao ecossistema o retuíte de GIFs de montanhas-russas durante os ciclos imprevisíveis do mercado cripto. São complacentes e acreditam que políticos com olhos a laser feitos no Photoshop realmente se importam com eles. Mas aqui está a pior parte — devido à sua ganância insaciável, eles se alavancam em excesso na esperança de grandes ganhos materiais. E essa dívida torna o moonboy facilmente manipulável, levando-o a tomar decisões contrárias ao idealismo que deu origem às criptomoedas.
Nossa aversão ao moonboyismo não é uma rejeição ao investimento. Há, sim, uma estratégia de investimento clara e racional em muitos ativos cripto devido à propriedade da escassez. Existem investidores, por exemplo, que incentivam a custódia em carteiras frias e são boas pessoas, valiosos para a comunidade. O moonboy, no entanto, é a maioria barulhenta dos detentores de criptomoedas hoje, atraídos pelo mercado livre e volátil que promete os potenciais “ganhos derretedores de rosto” capazes de transformá-los no próximo empreendedor do Vale do Silício. Ainda pior: com essa mentalidade degenerada de jogo, eles acreditam estar agindo a partir da virtude, graças ao seu endosso a Satoshi e a uma visão de mundo já diluída que os primeiros cypherpunks defendiam. O moonboy é um hipócrita em sua essência, apropriando-se do termo Bitcoiner para agora significar pró-censura e pró-Estado, desde que isso garanta a segurança de seus retornos.
Voltemos então aos três “problemas” mencionados anteriormente que a criptomoeda enfrenta, para demonstrar como os pontos de vista do moonboy e do maximalista dos mercados da darknet diferem:
Problema 1: Regulamentações governamentais criam incerteza sobre criptomoedas.
Moonboy – “Se o governo aprovar certas leis, minha criptomoeda vai valer mais/menos. Se houver um compromisso, estaremos no caminho certo.”
Maximalista da darknet – “Nossa preocupação é preservar as liberdades civis e lutaremos com unhas e dentes para defendê-las. Não haverá concessões.”
Problema 2: Limitações tecnológicas do blockchain impedem a adoção em massa.
Moonboy – “Precisamos fazer de tudo para nos tornarmos uma moeda global, mesmo que isso signifique apoiar software proprietário, porque mais gente significa que meus tokens valerão mais.”
Maximalista da darknet – “É fundamentalmente verdade que o blockchain não é ideal para adoção mundial sem centralização. Portanto, continuaremos crescendo e melhorando de forma orgânica, sem nos curvar diante de soluções centralizadas que ameacem nossa liberdade.”
Problema 3: A opinião pública sobre criptomoedas é negativa devido à falta de confiança causada por volatilidade e golpes.
Moonboy – “Precisamos continuar promovendo a criptomoeda para conquistar confiança, assim no longo prazo mais pessoas comprarão, minha cripto valerá mais e todos poderão ficar ricos.”
Maximalista da darknet – “O objetivo é construir economias paralelas. Se as pessoas não se interessarem por criptomoeda peer-to-peer, tudo bem, mas devemos explicar seus benefícios e dar o exemplo.”
Poderíamos continuar, mas o ponto já deve estar claro: de um lado há um estilo de vida baseado na ganância disfarçada de idealismo; de outro, uma análise fundamentada do mercado livre guiada pelo idealismo. Em outras palavras, o maximalista dos mercados da darknet reconhece que a busca pelo sonho de Satoshi de um dinheiro peer-to-peer o transformou em alvo do Estado — e que a turba que conduz a narrativa da opinião pública segue a mão invisível da ganância. Esses dois grupos não podem coexistir e, devido ao apoio populista que os moonboys possuem, o maximalista da darknet é expulso da discussão por meio da censura.
Talvez a melhor forma de resumir as diferenças entre esses dois grupos seja a própria darknet. Como cada um enxerga o uso de dinheiro peer-to-peer em mercados da darknet para fins ilícitos?
Moonboy – “A darknet representa um período dos primeiros dias da criptomoeda. Já superamos isso. Sim, criminosos usam criptomoedas em mercados da darknet, mas há muito mais valor que elas podem trazer. Essa associação é tóxica.”
Maximalista da darknet – “A darknet é o maior e mais antigo mercado peer-to-peer que depende de criptomoedas, e observar o uso da cripto nesses mercados testados em batalha revela quais projetos são mais poderosos e dignos de estudo, porque à medida que o uso dos computadores continua cada vez mais centralizado e proprietário, a liberdade dos projetos peer-to-peer de código aberto, como o dinheiro digital, precisa ser preservada.”
O moonboy não está necessariamente errado, já que existem muitos outros casos de uso para criptomoedas além da compra de drogas pela internet. No entanto, o moonboy não compreende as implicações poderosas do dinheiro peer-to-peer nem a longa guerra pelos direitos de privacidade que nos aguarda. Por quê? Porque o moonboy não lutará contra o Estado, e isso não o preocupa. Para ele, a preservação das liberdades é secundária frente ao crescimento de seu investimento; qualquer associação com atividades ilícitas é heresia. Não há motivo para que vocalize nada contra o Estado e, quando as regulações caírem sobre ele, simplesmente seguirá o que for mandado.
Mas o cypherpunk, alinhado ao maximalista dos mercados da darknet, abraça a batalha legal e fala abertamente sobre o uso ilícito documentado da criptomoeda. Por quê? Porque sabe qual é o jogo em andamento. Ao se alinhar com os mercados da darknet, ele molda a conversa em seus próprios termos, pois entende que o Estado enxerga nossa luta pela liberdade como uma afronta a ser esmagada. O maximalista da darknet compreende que o objetivo do Estado é promover o crescimento do moonboyismo e censurar os dissidentes — e que “jogar bem” não vale a pena.
Portanto, tracemos a linha na areia: se o uso de dinheiro peer-to-peer por associação me torna um criminoso, então eu sou um criminoso. O maximalista da darknet assina embaixo dessa afirmação, encarando o mercado livre de maneira fria e imparcial — e o moonboy recua em horror, equiparando esse tipo de idealismo a um confronto desnecessário, contrário ao motivo pelo qual ele comprou criptomoedas em primeiro lugar.
Já definimos o moonboyismo como uma turba especulativa que se distanciou dos princípios do libertarianismo. Mas como eles são controlados? O moonboy, como uma mariposa atraída pela chama, busca um líder que lhe diga que sua ganância é nobre — e não há representante melhor desse fenômeno do que Michael Saylor, o flautista de Hamelin dos moonboys. Em apenas alguns anos, Saylor sequestrou o Bitcoin a ponto de se tornar o líder de fato, apesar de seu distanciamento declarado da filosofia libertária sobre a qual a criptomoeda foi construída.
Em uma entrevista no ano passado, Saylor declarou acreditar que o uso do Bitcoin como meio de troca é um conceito ultrapassado e que a custódia do Bitcoin deve ser deixada nas mãos das exchanges centralizadas — as mesmas entidades conhecidas por coleta de dados e empréstimos em reserva fracionária. Essas declarações chocantes geraram alguns dias de reação negativa no Twitter, com muitos influenciadores cripto elaborando cuidadosamente tweets de reprovação. O resultado? Saylor publicou uma breve nota de desculpas, e tudo foi perdoado. Como é doce ser rei! O flautista encantou os moonboys com sonhos de prosperidade econômica — e que se dane o idealismo, pois agora ele detém o governo da maioria.
Na página de Twitter de Saylor, há um tweet fixado com sua poesia atroz — aquela que fala sobre “vespas cibernéticas” — e você sabe que ele olha para isso o tempo todo, como se fosse motivo de orgulho. Ele também costuma discursar poeticamente sobre o Bitcoin ser uma “energia digital” em palcos diante de milhares de pessoas, despejando metáforas desajeitadas na tentativa de romantizar o Bitcoin como uma espécie de religião. Contudo, a influência de Saylor vai além dos servos moonboys, alcançando até os duques e duquesas regionais que carregam relativa influência nessa economia da ilusão. Isso se evidencia rotineiramente nas conferências anuais de Bitcoin, mas foi ainda mais constrangedor em sua “Festa de Ano Novo do 100k”. O evento, realizado na mansão de Saylor, se resumiu a uma patética encenação de O Grande Gatsby, com Saylor alegremente conduzindo os convidados abastados por um tour de seus luxos. Para o moonboy, um ingresso dourado para essa festa seria o verdadeiro “sucesso”. Eles aspiram ser reconhecidos como investidores astutos, mais sábios do que todos os outros tolos. Mas, para o maximalista da darknet, aquilo é apenas um resumo de quão podres as coisas se tornaram — um retrato da fantasia desesperada encenada na mente dos moonboys, que sonham em um dia estar na posição de Saylor, com milhares de súditos invejando o sucesso de seus investimentos “geniais”.
As contribuições de Saylor ao Bitcoin têm sido dobrar e triplicar a mentalidade miserável da cultura HODL, que prega que o único caso de uso do Bitcoin é comprar e segurar pela vida. Para Saylor, a única coisa que importa é que seus seguidores acumulem Bitcoin — e, se lhes faltar liquidez, que vendam até os rins. Isso cria um paradoxo interessante: como o Bitcoin pode ser o futuro do dinheiro se ninguém realmente quer usá-lo? Os defensores da tese de “reserva de valor” apontam para a Lei de Gresham, argumentando que a forma mais dura de dinheiro será retirada de circulação. Isso seria aceitável se o Bitcoin tivesse características de fungibilidade (não tem), se seu modelo de segurança não fosse baseado em taxas de transação (é), ou se não houvesse um esforço concentrado para centralizar o software usado pelos bitcoiners (há). Os resultados da mentalidade de Saylor foram: acumulação estéril, blocos vazios, apoio a soluções proprietárias e dependência crucial da valorização constante do Bitcoin. Pode-se esperar que, eventualmente, o culto à personalidade em torno de Saylor tenha seu castigo. Mas, mesmo que o castelo de cartas caia, atrás dele há toda uma coorte pronta para assumir seu lugar — e, inevitavelmente, os moonboys elegerão seu próximo líder, pois está em sua natureza nunca pensar por conta própria.
O universo das criptomoedas é dominado pelos moonboys, e o flautista Saylor é reflexo disso. O fato de Saylor não ter sido repudiado pela comunidade do Bitcoin, mas sim exaltado e abraçado, já diz tudo sobre o estado atual das coisas. É um mistério por que esse farsante, com seus bilhões, nunca pensou em financiar a defesa legal da Samourai Wallet ou do Tornado Cash com a melhor equipe de advogados que o dinheiro pode comprar. Por que ele também não lidera uma campanha de lobby em Washington em defesa da privacidade e da liberdade dos que usam criptomoeda como dinheiro digital? Por que só fala em comprar Bitcoin, e nunca em ser um indivíduo razoável que, ocasionalmente, realiza lucros ou usa Bitcoin? Você sabe a resposta. É porque ele não se importa com o Bitcoin, nem com a liberdade, nem com nenhuma dessas coisas. O golpe de Saylor é um jogo de “cadeiras musicais”, onde os únicos vencedores são os sortudos que conseguem sair antes que a música pare. Estamos no meio desse jogo agora — e, claro, ele está manipulado para que Saylor chegue sempre em primeiro lugar.
Imagino que alguns leitores considerem meu tom elitista — e não discordo. O mundo das criptomoedas como um todo precisa de crítica e introspecção, especialmente por parte daqueles que são defensores intransigentes do dinheiro digital. É cansativo assistir, das margens, uma comunidade em que jornalistas e podcasters disputam relevância promovendo qualquer golpe cripto que lhes dê atenção ou dinheiro. Pior ainda é ver o público seguir cegamente o flautista Saylor, cuja canção encantada se aproveita das esperanças e sonhos do moonboy desesperado que, aparentemente, não tem mais nada a esperar de sua vida.
Mas não confunda visões pretensiosas com falta de disposição para ajudar! Se você sofre de um ataque de moonboyismo, mas ainda tem um mínimo de dignidade, gradualmente se inspirará a aprender e melhorar — e, nesse caminho, os especialistas em privacidade terão prazer em apontar a direção correta. Nunca houve tantos recursos para aprender sobre privacidade e como se proteger — e nem é preciso dizer que um dos maiores investimentos que você pode fazer pelo seu futuro é em sua educação sobre como lutar contra o Estado de vigilância. Vá passo a passo, fortaleça cada faceta da sua opsec e estude o inimigo de dentro para fora. Com o tempo, você estará lado a lado com os outros cypherpunks calejados que se tornaram maximalistas dos mercados da darknet, coçando a cabeça em perplexidade enquanto Saylor, mais uma vez, faz papel de tolo diante de sua turba de seguidores.
O que Saylor e companhia fazem para seduzir o moonboy é alimentar sua fantasia: um mundo hipotético dependente do ativo escasso que é o Bitcoin, com a promessa de que o moonboy se sentará na cidadela, protegido dos desprezíveis nocoiners, que deverão rastejar a seus pés em busca de alguns poucos sats lançados em sua direção. Isso nos leva talvez à maior mentira vendida pelos influenciadores de criptomoeda — a adoção global. Para muitos, esse salto de fé é tomado como inevitável. É certo, dizem eles, que a moeda fiduciária falhará, que os dólares se tornarão inúteis, que toda confiança se perderá e que carrinhos de mão cheios de dinheiro serão necessários para comprar pães. Também é certo, pensam, que um dia as pessoas abraçarão unanimemente a criptomoeda como sua fonte de poupança e renda. Que as elites parasitárias que controlam nossas economias há centenas de anos cederão seu poder político pelo bem maior. Que toda a força dos Estados-nação desmoronará diante do poder do Bitcoin, dobrando os joelhos para declarar que Satoshi é rei, e que todos nós daremos as mãos e cantaremos Kumbaya em uma nova era de paz.
Se você acredita nisso, provavelmente está em uma bolha de eco.
Como já vimos, todos os aspectos do dinheiro digital ponto a ponto que representam um ataque à força do Estado-nação foram atacados, neutralizados e infiltrados. A moeda fiduciária não desaparecerá em silêncio — e o público em geral seguirá, e continuará a seguir, o que o governo disser, porque isso parece seguro, e as pessoas gostam de se sentir seguras. Assim, a narrativa endossada pelo Estado em relação ao Bitcoin é de que ele é um ativo digital, não uma forma de dinheiro ponto a ponto. O holofote é direcionado a Michael Saylor e à senadora Lummis, que fazem patéticos discursos de palanque na CNBC, com os olhos fixos em futuras colaborações com o sistema financeiro tradicional. A turba moonboy acompanha o circo porque o número continua subindo, enquanto a mídia sugere que o uso como meio de troca é apenas uma relíquia dos desajeitados primórdios cypherpunks. Qualquer indício da contracultura que desafia os bancos é minimizado e difamado como crime contra legislações de combate à lavagem de dinheiro. Em resumo, o futuro idealizado de dinheiro ponto a ponto foi transformado em uma versão alternativa do Venmo — censurável, controlável, complacente.
Se a adoção mundial da criptomoeda é hipoteticamente possível ou provável não é o ponto. O que precisa ser entendido é que, no momento em que estas palavras são escritas, a “adoção global” é um cavalo de Troia para a centralização e a vigilância, e qualquer um que a defenda está, ironicamente, argumentando pela expansão do sistema financeiro tradicional. Como sabemos disso? Porque as soluções propostas pelas cabeças falantes da indústria cripto não são usadas em mercados da darknet. Como maximalistas da darknet, usamos esse barômetro simples para cortar o excesso de discussão técnica e o interminável desfile de protocolos que confundem e sobrecarregam os novatos, destacando, em vez disso, o fato de que os mercados da darknet representam a contracultura dentro da criptomoeda que ainda resiste ao sistema financeiro tradicional. E, não por acaso, as pessoas que dependem de dinheiro digital testado em batalha não usam aplicações de segunda camada do Bitcoin. Na verdade, acusariam você de ser agente da lei só por sugeri-las.
Para deixar claro: a adoção de dinheiro ponto a ponto pelo público em geral é extremamente difícil, e as tentativas de construir pontes entre o usuário de Linux de 30 anos e a avó de 70 são impressionantes. Mas, com esse nível de experiência amigável ao usuário, vem inevitavelmente a lavagem ideológica dos princípios do software livre e de código aberto — e, pior ainda, o abandono do criptoanarquismo político que dá vitalidade ao dinheiro ponto a ponto. O maximalista da darknet defende realismo e passos graduais em direção a uma maior adoção, em vez de devaneios futuristas. Isso pode ser entediante e gradual, mas é racional e fundamentado. Em vez de se distrair com os aumentos ou quedas mensais no valor de uma criptomoeda, devemos destacar a importância de expandir economias paralelas que a utilizem. Em vez de entrar em pânico com a última regulamentação governamental, devemos reforçar nossas convicções e lutar tanto nos tribunais quanto no uso ponto a ponto. Em vez de tentar convencer as pessoas com promessas de carros esportivos, devemos reunir o maior número possível de aliados da privacidade, desde que compartilhem nossa visão da importância do software livre. O foco deve estar em construir uma base sobre a qual as futuras gerações possam erguer, tijolo por tijolo — e, mesmo que haja algum lucro e aumento de interesse público no caminho, isso jamais deve sobrepor-se ao idealismo.
Libertar-se da ideia de adoção global é o passo mais importante para o moonboy em recuperação. Isso demonstra maturidade de visão, crescimento de disciplina e compreensão do jogo de xadrez que se desenrola entre o Estado e nossa liberdade. Se você ainda está preso na mentalidade de que a criptomoeda tomará o mundo, é porque não entendeu — já que as finanças tradicionais, um dos instrumentos mais eficazes do Estado, absorveram a criptomoeda dentro de seu sistema demoníaco. O Estado não perderá essa batalha no curto prazo, então ajuste seus horizontes temporais e não se acomode, porque o que vimos na última década foi o desmantelamento do outrora poderoso e temido Bitcoin.
Como maximalistas da darknet, valorizamos a utilidade — porque a utilidade é o que garante adoção — e qualquer tipo de adoção agora é melhor do que uma adoção hipotética no futuro. E é por isso que estudamos os mercados da darknet: porque eles representam a mais antiga e a maior economia ponto a ponto dependente de criptomoedas que ainda hoje permanece ativa e vibrante.
Para os recém-chegados, pode ser difícil acreditar, mas a criptomoeda já foi um assunto realmente assustador. O Bitcoin, em particular, tinha associação direta com atividade criminosa, e foi assim que muitos de nós tivemos o primeiro contato com ele — seja ouvindo rumores sobre a Silk Road ou lendo artigos alarmistas em jornais sobre um novo dinheiro misterioso da internet usado por traficantes. Nos primeiros dias, não havia regulamentações, e as conversas geralmente giravam em torno de como o Bitcoin seria banido, como a economia subterrânea de drogas que o utilizava levaria a prisões em massa e, eventualmente, à confiscação de criptomoedas de cidadãos cumpridores da lei.
O Bitcoin, sobretudo em seus primórdios, era o playground dos cypherpunks dedicados ao avanço do dinheiro ponto a ponto. Sua tolerância à cultura HODL se devia, em grande parte, à enorme incerteza financeira em torno do projeto. Quando o número subiu — mais do que qualquer um poderia imaginar — o idealismo foi substituído, e esses cypherpunks acabaram ou domesticados, ou expulsos do próprio projeto que ajudaram a construir. O que restou foi um grupo de membros do Core simpáticos ao mito equivocado da adoção global — e até incentivando-o. Os cypherpunks esclarecidos, agora endurecidos e transformados em maximalistas da darknet, sentem vergonha e raiva por verem o monstro que foi criado. A ganância venceu, e oportunistas como Saylor chegaram ao topo.
O Bitcoin hoje alcançou o mainstream, mas sem nenhum vestígio de suas origens. Celebridades, executivos e políticos defendem o Bitcoin atualmente — algo que, há dez anos, significaria suicídio de carreira. Mas o que o Bitcoin realmente ganhou com essa aceitação? O moonboy apontará para o gráfico de preço, os ETFs e o apoio das celebridades. Os cypherpunks, porém, sabem que isso é pura ilusão. O que de fato ocorreu foi a dramática expansão das legislações de Know Your Customer/Anti-Money Laundering, o desenvolvimento de tecnologias de vigilância de blockchain, a enxurrada de batalhas legais para retirar nossos direitos e o lobby incansável que hoje acontece em Washington. Com o tempo, o Estado percebeu que o Bitcoin e outras criptomoedas são relativamente inofensivos sem privacidade na camada base e, em vez de combatê-lo diretamente, bastaria cozinhar o sapo aos poucos, podando os grupos de defesa mais radicais. E o plano funcionou. A conversão do Bitcoin de dinheiro ponto a ponto em um tech stock digital foi consumada, e os valores cypherpunk que nos trouxeram até aqui foram branqueados.
Mas há uma ironia na transição do Bitcoin para um ativo digital asséptico e corporativo: no processo, ele perdeu toda a sua aura. Pense no status rebelde e ameaçador que o Bitcoin tinha nos tempos da Silk Road e compare isso com o sorriso posado de Michael Saylor estampado na capa da Forbes. Toda a mordida, todo o poder, tudo o que fazia da criptomoeda uma ameaça única ao sistema financeiro tradicional se foi, reduzido a uma caricatura frágil do que já foi. A crise de identidade em que o Bitcoin se encontra é irrelevante para o moonboy, que enxerga esse desenvolvimento como progresso natural — tal como a internet, antes um faroeste descentralizado de sites independentes, hoje domesticada em algumas poucas redes sociais politicamente corretas. Eles veem a mudança do Bitcoin como positiva, acreditando que um caminho aprovado pelo Estado é o melhor para a humanidade. Ou, ao menos, é nisso que se convenceram. O maximalista da darknet, olhando o quadro maior, sabe que abrir mão da luta contra o Estado nos trouxe, inevitavelmente, à predominância da narrativa de reserva de valor, em detrimento da continuidade como meio de troca.
A boa notícia é que o livre mercado é implacável — e sempre encontrará um caminho. Os mercados da darknet, e por extensão o uso de dinheiro ponto a ponto em desafio às regulações, sempre existirão. E, diante da estagnação do Bitcoin, eles buscaram alternativas. A ascensão documentada do Monero nesses mercados preenche a necessidade de um dinheiro digital onde o Bitcoin já não serve mais. E, assim como aconteceu antes, agora é o Monero que se torna alvo de regulações, medo e incerteza. O moonboy aponta para o fraco desempenho de preço relativo do Monero e diz que isso é reflexo de seu fracasso. Já o maximalista da darknet enxerga nesses delistings uma prova de conceito, um endosso vindo das próprias empresas de análise de blockchain de que o Monero é um meio de troca superior. Se o Bitcoin amigável às regulações fosse realmente ameaçador, poderoso e um risco ao Estado, ele também estaria sendo removido das corretoras. Mas não está. Então por que o Monero assusta as exchanges e não o Bitcoin? O que o torna tão mais poderoso? E, pouco a pouco, a aura em torno do Monero cresce — seu estigma transformando-se em propaganda silenciosa de quão formidável o dinheiro ponto a ponto é aos olhos do poder.
A cultura da criptomoeda hoje transborda artificialidade. O que se chama de “cultura” é um amontoado de golpes de terceiro mundo, memes e apostas degeneradas. Nada disso é sério. Muitos compartilham dessa opinião, e os moonboys se deliciam com a crítica em tom irônico, como se fosse um distintivo de honra — preferindo rir do “mundo palhaço” em vez de confrontá-lo. Mas há uma coisa na criptomoeda que é levada a sério justamente por ser formidável: o uso de dinheiro ponto a ponto nos mercados da darknet. Como o respeito silencioso que Tony Soprano recebia ao entrar em um restaurante, até os moonboys — e mesmo os nocoiners hostis à cripto — curvam a cabeça em reconhecimento. Intuitivamente, todos reconhecem o poder que o dinheiro digital pode exercer sobre os Estados-nação. Isso se demonstra pelo simples fato de um projeto aberto, incontrolável, ser utilizado por redes criminosas ao redor do mundo. Mas essa realidade é sempre minimizada, obscurecida e tratada com reprovação. A opinião dominante dentro do universo cripto insiste que “a criptomoeda é muito mais do que sua adoção inicial pela darknet”, e por isso esse passado deve ser ignorado. O homem mais sábio, no entanto, vê esse dado como um presságio: um sinal de uso que repele o Estado. Por mais que tentem apagar o estigma da adoção pela darknet, ele permanece como lembrete do que está em jogo — e o maximalista da darknet jamais esquece disso.
Apesar do prestígio considerável conquistado pelo uso em mercados obscuros, o moonboy não perde a chance de minimizar qualquer associação com atividade criminosa. Ele insiste que a economia das drogas no submundo é relativamente pequena, que o market cap do Bitcoin a supera em ordens de magnitude e que é melhor não carregar uma reputação manchada aos olhos da população “de bem”. Mas o pior vem quando, diante do declínio do uso do Bitcoin nesses mercados, ele chama um projeto legítimo como o Monero de “shitcoin”, tratando essa alternativa de dinheiro digital — que tomou o espaço do Bitcoin nos mercados obscuros — como nada além de uma distração frente à “riqueza geracional”. É aí que entra o meu método infalível de expor esse moonboy que perdeu a noção do quadro geral. Um pequeno truque que, até hoje, funcionou em 100% dos casos. Tudo que você precisa fazer é dizer o seguinte:
“Se Monero é um shitcoin, como é que ele superou o Bitcoin como a criptomoeda mais usada nos mercados obscuros? Porque, apesar da enorme vantagem de rede e liquidez do Bitcoin, é o Monero que se tornou a criptomoeda mais utilizada na mais antiga e maior economia peer-to-peer que depende de dinheiro peer-to-peer.”
Essa frase é tão eficaz porque os usuários dos mercados obscuros não usam criptomoeda peer-to-peer por capricho. Eles usam porque precisam. Não há outra opção. Se a criptomoeda desaparecesse como num passe de mágica, esses mercados peer-to-peer praticamente deixariam de existir, pois não haveria um meio simples de transferir valor. Além disso, os usuários desses mercados não têm a fixação tribalista de “número-sobe” que assombra o ecossistema cripto. Eles não acordam gritando seu amor pelo dinheiro digital, nem se vangloriam com amigos sobre quantas moedas possuem. Não — eles compram moeda digital como quem compra gasolina para o carro. É uma necessidade. E nesse ambiente ilícito, incrivelmente arriscado, que exige a ferramenta de transferência de valor mais testada e poderosa, eles escolheram usar o “pequeno” Monero em vez do tão glorificado Bitcoin.
O problema para o moonboy é que essa questão está formulada em termos de utilidade, não de preço. O moonboy, que só enxerga o gráfico de preço, agora precisa lidar com um cenário de dependência. Diante da afirmação acima, sua reação instintiva é mostrar o gráfico do preço do Monero, apontando que, em relação ao Bitcoin, ele “ficou para trás”. Mas é exatamente aí que reside a força: apesar de não ter a mesma valorização, o Monero superou o Bitcoin em um mercado onde vidas dependem de dinheiro digital impossível de censurar. Por que não usam Bitcoin, então? Como o Monero conseguiu superar o gigantesco efeito de rede do Bitcoin? Eles não sabem que o Monero é “menos seguro”? Por que optam por um “shitcoin” em vez da Lightning Network? Nesse momento, a cabeça do moonboy gira em círculos. Esse “nuke tático” — e suas variações — desarma por completo a crítica contra o Monero. Não é especulação; é o livre mercado falando, aqui e agora.
O que o moonboy não admite é que isso é, de certa forma, emasculante. Acostumado a repetir que “não existe segundo lugar”, ele precisa agora encarar a preferência dos criminosos mais endurecidos pelo Monero. Pior ainda, ele não tem bagagem técnica para debater com um cypherpunk e muitas vezes teme demais se aventurar em um hidden service como o Dread para confirmar essa realidade. Essa situação sem saída o força a correr de volta para sua bolha ou, eventualmente, admitir que talvez existam outros projetos que valham a pena estudar. E não é só o Bitcoin: qualquer projeto que critique a privacidade do Monero precisa encarar o fato incontornável de que foi ele, e não outro, o escolhido. Esse detalhe insuperável, fruto de vários fatores que veremos adiante, reforça o nosso lema: a criptomoeda preferida nos mercados obscuros é a que realmente merece ser estudada.
É importante notar que o nosso foco ao estudar mercados negros online está principalmente nos de drogas, que qualquer curioso pode encontrar no Tor. Mas a economia obscura vai muito além disso: inclui golpes, ransomware, armas e uma infinidade de bens e serviços ilícitos. Pode-se argumentar, por exemplo, que stablecoins — uma perversão da ideia original de cripto, ao atrelar digitalmente um ativo ao fiat — já são usadas em volumes maiores que Bitcoin ou Monero, por conta da baixa volatilidade e da forte liquidez. Outros apontam para o comércio ilegal crescente em redes sociais como Instagram ou protocolos de mensagem como Telegram. Claro, o fiat ainda domina de longe, e não surpreende que cartéis mexicanos e sindicatos chineses usem stablecoins para dolarizar operações, ou que países em crise se apeguem a isso. Mas estimativas confiáveis são raríssimas, e por isso faz mais sentido focar nos mercados “tradicionais”, com maior rigor de opsec, encontrados em agregadores de hidden services como o Tor Taxi. Esses são mais relevantes para entender como o dinheiro peer-to-peer se desenvolveu até aqui. Além do mais, regulações futuras contra stablecoins e censura em redes sociais devem empurrar criminosos de volta para criptomoedas endurecidas — e provavelmente para aquela que já tem reputação consolidada nos mercados de drogas.
Que fique claro: este manifesto não é propaganda do Monero. O maximalista de mercados obscuros não é leal a projeto nenhum, pois não enxerga criptomoeda como um meio de enriquecimento. Ele reconhece o Monero, mas também valoriza a liquidez e a transparência do Bitcoin como contrapartidas importantes. Apesar do esvaziamento sofrido na última década, o Bitcoin ainda aparece nos mercados obscuros, ainda é pedido em resgates de ransomware e continua sendo uma porta de entrada líquida com uma pequena, mas vibrante, cultura cypherpunk. Aliás, o maximalista dos mercados obscuros é rápido em apontar a ironia do crescimento de uma retórica “monero maximalista” que, ao contrário do moonboy bitcoiner, exalta os possíveis “ganhos explosivos” de um projeto que segue as origens cypherpunk do Bitcoin como moeda do submundo. Nesse ponto, o monero maximalista usa as mesmas táticas fraudulentas que o maximalista de Bitcoin para buscar prosperidade financeira — olhando para o mercado ilícito como termômetro e usando o estigma como ferramenta de propaganda. De fato, o poder da adoção pelo livre mercado, quando visto sob o prisma da utilidade e não da especulação “número-sobe”, é um conceito poderoso, capaz de convencer até os mais leigos. Esse manifesto inteiro é baseado nisso. Mas romantizar o estigma dos mercados obscuros com a ambição de enriquecer não é diferente do degenerado que idolatra Michael Saylor. No fim, tudo se resume ao preço em fiat — e, sem freio, nos levará de volta ao mesmo beco sem saída em que o Bitcoin se encontra hoje.
É uma verdade incontestável que o uso em mercados obscuros é uma maneira simples de provar que uma criptomoeda peer-to-peer funciona. Até mesmo os normies, que não têm nada em jogo nessa disputa, levantam as sobrancelhas diante da ideia de que a polícia pouco pode fazer para impedir a transferência de dinheiro digital. Mas há uma dinâmica interessante que precisa ser destacada: os usuários de mercados obscuros não ligam para o preço da criptomoeda, nem para a tecnologia por trás dela. Tirando alguns incômodos com a volatilidade de curto prazo, para o usuário de mercado obscuro o interesse em algo como Monero ou Bitcoin é puramente funcional — apenas mais um item da lista de tarefas para conseguir o que deseja. Eles não compreendem os trade-offs entre projetos diferentes, nem acompanham debates no crypto Twitter. Pode parecer fútil dedicar tempo a esse público “agnóstico”, mas qualquer pesquisador sério dos mercados obscuros dirá: são eles que representam a maior parte da economia cripto que depende de dinheiro peer-to-peer, e não da especulação.
Se fecharmos os olhos e imaginarmos uma reportagem sobre a “dark web”, a imagem que nos vem à mente é previsível: um homem de moletom com capuz cobrindo o rosto, talvez usando uma máscara de Guy Fawkes, digitando em uma tela preta de terminal. Para muitos, hidden services parecem algo acessível apenas a hackers experientes. Mas a realidade é bem diferente: a maioria dos usuários do darknet são pessoas comuns, muitas vezes com experiência de computador limitada a postar no Reddit e abrir o Gerenciador de Tarefas do Windows. Para ilustrar, pensemos em Joe. Joe é mecânico, gosta de videogames, trabalha longas jornadas e, como muitos jovens de vinte e poucos ou trinta e tantos anos, recorre a certas substâncias ilegais para lidar com sua rotina. Ele não gosta da ideia de procurar um traficante de rua, mas depois de ouvir de um amigo que isso é possível pela internet, decide tentar. Como Joe faria isso?
Joe, o mecânico, não vai passar dezenas de horas lendo whitepapers ou mergulhando em debates entre projetos de criptomoedas. Ele não tem a menor ideia de como nada disso funciona — e fica cada vez mais irritado com a enxurrada de informações quando começa a pesquisar. Tudo que Joe quer é algo que funcione, e logo descobre, nos sites do darknet, que Monero e Bitcoin são as criptos utilizadas. Isso basta para ele. Ele segue a manada. A partir daí, encontra um guia na internet sobre como adquirir criptomoeda e segue as instruções passo a passo. Como busca o caminho de menor resistência, Joe não se importa em usar uma corretora centralizada, uma wallet com função de troca integrada ou em ignorar os riscos explorados por empresas de vigilância em blockchain. Em nenhum momento ele questiona mais do que o necessário para ir do ponto A ao ponto B. O pequeno segredo do darknet é que muitos de seus usuários são exatamente como Joe — pelo menos no início. Eles começam como leigos desinformados e seguem instruções de outros Joes que estão alguns passos à frente.
Mas isso não quer dizer que Joe esteja sendo irracional. Pelo contrário: Joe é extremamente racional ao reconhecer que está fora da sua zona de conforto e, portanto, confia nas ferramentas que o próprio livre mercado já escolheu: Monero, Tor e PGP. Ele também se apoia em guias preparados por pessoas que já desbravaram o caminho. Com o tempo, esse processo vai sendo refinado. Agora, você pode se perguntar: se Joe está sempre escolhendo o caminho de menor resistência, não seria mais lógico ele simplesmente usar Bitcoin, já que é mais fácil de comprar do que Monero? De fato, muitos mercados ainda aceitam Bitcoin, e Joe poderia concluir que é mais prático usá-lo. Mas quanto mais o Monero é adotado com sucesso, mais se torna socialmente malvisto não utilizá-lo, até chegarmos a um ponto em que até Joe se pergunta: “Por que ainda tem gente usando Bitcoin em vez de Monero?”. Isso já acontece hoje, com o maior mercado de drogas da darknet, o Archetyp Market, funcionando exclusivamente com Monero em sua plataforma peer-to-peer. E não há dúvidas: muitos Joes estão ativos lá.
O dilema da criptomoeda peer-to-peer é o clássico ovo e a galinha: para ter adoção no darknet, é preciso… adoção no darknet. Esse paradoxo só é superado por um movimento de base, dedicado e apaixonado, que constrói confiança e reputação ao longo do tempo. É preciso promoção incansável feita por pessoas dispostas a ir onde não há “politicamente correto” ou simpatia regulatória — justamente os lugares onde o dinheiro peer-to-peer tem utilidade real. E, como aponta o maximalista do mercado obscuro, o uso de dinheiro peer-to-peer nesses cantos sombrios da internet reflete o propósito maior dessa tecnologia, que pode ser aplicado em favor do cidadão comum contra o Estado. Curiosamente, para Joe, usar Monero é só uma chatice mensal — se pudesse, ele preferiria pagar com PayPal ou até com cartão de crédito na hora de comprar drogas online. Eis a ironia final: os maiores motores da adoção de dinheiro peer-to-peer são, muitas vezes, usuários leigos que mal entendem por que estão usando criptomoeda. Isso só reforça a importância da privacidade embutida e de considerar, no desenvolvimento de uma cripto, até mesmo o comportamento do “usuário comum de drogas”. Pois é justamente esse uso, tão banal e pragmático, que alimenta o avanço do dinheiro peer-to-peer. O maximalista do mercado obscuro entende isso: não recrimina Joe por “perder a chance de riqueza geracional”, mas vê em sua prática uma prova viva de como pessoas comuns, como Joe, podem — consciente ou não — minar o poder do Estado.
A economia do darknet é um mercado livre criptografado, composto por homens de todas as origens econômicas e sociais. Há mecânicos e financistas, professores e vendedores, marombeiros e viciados. São pessoas que vemos todos os dias sem saber, mas que online assumem identidades anônimas, protegendo comportamentos que desafiam a lei, comportamentos condenados como imorais. De fato, alguns são perversos, mas muitos são cidadãos normais, funcionais, que nos ajudariam em momentos de necessidade. E, ainda que esse mercado subterrâneo permaneça oculto nas sombras, indecifrável a quem tenta espiar, há lampejos de luz que inexplicavelmente conseguem atravessar e apontar para o futuro.
E assim, outro dia, tiraram uma foto de um homem de moletom cinza, com uma bolsa no ombro, um vaso de planta e um sorriso acolhedor no rosto. Que doce imagem. A alegria coletiva de toda a comunidade cypherpunk não acontece com frequência, mas posso assegurar que essa foto, aparentemente feita por acaso, transmitiu um júbilo pelo mundo inteiro, como mensagens criptografadas atravessando nossas redes peer-to-peer. Para os menos informados, Ross Ulbricht pode parecer um degenerado que deu origem à economia que hoje chamamos de darknet. Mas para os que realmente entendem, Dread Pirate Roberts foi um visionário que enxergou como o dinheiro digital poderia transformar o mundo.
Na mitologia das criptomoedas, a Silk Road é o berço mítico do Bitcoin. Conta-se que, em algum canto obscuro da internet, um projeto nerd de hobby se transformou em uma ameaça inimaginável. Espalharam-se rumores de um site como o Ebay, mas onde drogas eram vendidas. Um amigo de um amigo dizia ter comprado cocaína lá e jurava por isso. Parecia bom demais para ser verdade. Mas, com o tempo, a consciência coletiva foi lentamente tomando ciência daquele conceito aparentemente impossível. E, antes que se percebesse, o Bitcoin havia entrado no mainstream como um contrapeso revolucionário às finanças tradicionais. Era aterrorizante para os indecisos incapazes de formar opinião própria. Era aterrorizante para governos que fazem de tudo para esmagar você como um inseto. Era aterrorizante para o cartel bancário que nos mantém reféns há gerações. Era absolutamente incrível.
Mas aqui precisamos fazer uma pausa e separar Dread Pirate Roberts, a figura metafórica de contraprotesto, de Ross, o ser humano. O detalhe doloroso que muitos não entendem é que, por sua própria admissão, Ross carrega grande arrependimento por ter criado a Silk Road. Em sua única entrevista pública, na conferência Bitcoin de 2021, pelas palavras escolhidas com tanto cuidado era possível imaginar as lágrimas se formando em seus olhos. Foi uma confissão brutalmente sincera e, diante de uma sentença de prisão perpétua, dava para sentir seu desespero, seu remorso, sua ânsia pela liberdade. Ele se referiu a seu eu de 26 anos como impulsivo, o oposto do símbolo vigoroso de resistência ao governo que muitos pintam. Ouvir aquela alma libertária brilhante, tão parecida comigo, tão destruída pelo confinamento de uma prisão federal, fez-me perceber que Ross não era apenas um idealista sonhando em derrubar as finanças tradicionais, mas também um jovem e ingênuo programador que acabou sendo o primeiro a acender o fósforo.
Se Ross não tivesse criado a Silk Road, seria inevitável que outra pessoa tivesse feito a mesma descoberta. Em retrospecto, não é preciso ser gênio para perceber que um dinheiro incensurável pode ser usado em transações ilícitas, e criminosos tendem a ser inovadores quando uma nova tecnologia é introduzida ao público. Além disso, mercados ilegais na internet já existiam muito antes da Silk Road. Claro, eles cresceram exponencialmente com a implementação do dinheiro digital, mas isso apenas prova que essa economia florescente do darknet iria surgir de qualquer forma. E enquanto críticos apontam a Silk Road como uma mancha vergonhosa na história do Bitcoin, é preciso dizer que as coisas que realmente prejudicaram o Bitcoin vão muito além dos mercados ilegais. A verdadeira liberdade do dinheiro peer-to-peer foi comprometida pela ganância e por um sindicato de abutres famintos por riqueza; em contraste, a Silk Road nos ensinou que redes peer-to-peer unidas podem ser imparáveis mesmo em uma distopia de vigilância.
O dinheiro peer-to-peer nunca desaparecerá. Ele sempre existirá agora. Nós o encontramos, o descobrimos, e agora o estamos cultivando. Por décadas, continuaremos inovando, continuaremos nos adaptando e continuaremos protestando — e saiba que quase tudo isso será para o bem da humanidade. Então, Ross, falando diretamente com você: entenda que, embora sinta remorso pelo que fez, sua contribuição não é algo de que deva se envergonhar. Estamos felizes que você finalmente esteja em casa.
Logo surgiram dezenas de sites onion copiando a fórmula, tentando alcançar a mesma notoriedade que Dread Pirate Roberts havia conquistado. A adoção do Bitcoin prosperava, a aplicação da lei se adaptava, e assim teve início o jogo de gato e rato das criptomoedas. O campo de batalha era o livro-razão público, e investigadores federais começaram a atacá-lo com ferramentas analíticas probabilísticas capazes de vincular identidades a carteiras expostas em exchanges centralizadas. Pessoas começaram a ser presas, e em resposta a comunidade cypherpunk percebeu a necessidade do desenvolvimento de mixers e protocolos de coinjoin para quebrar vínculos determinísticos. Alguns projetos foram bem-sucedidos, mas a maioria falhou. A liquidez formidável e o efeito de rede do Bitcoin sustentaram teimosamente sua alta taxa de adoção, mas com o tempo, essa força começou a ser corroída por um empurrão concentrado de ações regulatórias que expandiram legislações de Know Your Customer (KYC) e Anti Money Laundering (AML). Do ponto de vista de Joe, o mecânico, o processo de adquirir Bitcoin fora das exchanges centralizadas se tornou trabalhoso, e as técnicas para usá-lo cada vez mais complicadas.
Historicamente, houve mercados que chegaram a incorporar criptomoedas alternativas, mas o uso delas sempre foi mínimo diante da adoção dominante do Bitcoin. Contudo, à medida que as prisões aumentavam, administradores e vendedores começaram a mudar de posição, e em 2019, com a criação do White House Market, o Monero entrou oficialmente na economia do darknet como uma força poderosa. Diferente de outros marketplaces, o White House Market exigia PGP obrigatório e promovia fortemente o uso de Monero. O Bitcoin, ainda aceito nos estágios iniciais, acabou sendo totalmente abandonado. No começo, os usuários não gostaram da dificuldade de usar o White House, mas a ênfase em uma segurança operacional mais rígida cultivou uma espécie de seita que, com o tempo, cresceu até se tornar o maior mercado do darknet do mundo.
O efeito bola de neve foi gradual, mas orgânico. Vendedores do darknet — os indivíduos que comercializam bens ilícitos — costumam operar em múltiplos marketplaces para aumentar sua clientela e, naturalmente, ao usarem o White House Market, passaram a usar Monero. Isso os levou a pressionar pela adoção do Monero em outros mercados e, um a um, eles começaram a segui-los. Logo surgiram outros marketplaces exclusivos de Monero, como o Alphabay 2 e o Archetyp Market. O período de transição da dominância do Bitcoin para a do Monero ocorreu nos últimos cinco anos, a partir do final de 2019. Hoje, a maioria dos mercados já é exclusiva de Monero e, provavelmente nos próximos anos, o uso do Bitcoin nesses ambientes será completamente extinto. O Monero é agora o rei dos mercados do darknet e, por extensão, o rei do dinheiro peer-to-peer.
O Monero cobre todos os aspectos que um sucessor do Bitcoin deveria exemplificar. Sua cultura é grassroots, aberta, comunitária. Assim como o Bitcoin, não há dev tax nem premine, minimizando o risco de que o projeto seja desviado por regulações ou pela perseguição a desenvolvedores. Seu protocolo de mineração é referência, adotando o RandomX para desencorajar o monopólio dos ASICs que assola o Bitcoin, devolvendo o poder de mineração ao usuário comum com um algoritmo otimizado para CPUs. A extensa rede de mineradores, aliada a uma base de usuários mais tecnicamente instruída, promove o Linux e o FOSS. Sua equipe de pesquisa é renomada, com diversas contribuições influentes ao ecossistema, e seus desenvolvedores já demonstraram capacidade de lidar com patches rápidos contra agentes mal-intencionados. Os blocos são de tamanho dinâmico e as taxas são baixas. E talvez o mais atraente, para alguém nada técnico como Joe, o mecânico, é que o Monero tem privacidade embutida, colocando até o usuário mais ingênuo em pé de igualdade, ou até à frente, de um bitcoiner bem instruído.
Mas, acima de tudo, o que impulsiona uma criptomoeda peer-to-peer é a paixão inabalável do anarquismo cypherpunk que emana de sua base. A cultura precisa ser cética, desconfiada das regulações e vocalmente contra o Estado. Precisa promover o uso e não o acúmulo. Precisa traçar uma linha intransponível na areia em defesa da privacidade. O vigor que nasce de se posicionar em algo em que se acredita é o que empurra o projeto adiante, seja no desenvolvimento técnico ou na promoção comunitária para pessoas que nunca ouviram falar dele. Em última instância, é a filosofia do projeto que garante sua influência de longo prazo — e esse detalhe é frequentemente esquecido. Quantas vezes não ouvi entusiastas bem-intencionados, querendo se distanciar do “moonboyismo”, dizer que estão em cripto “pela tecnologia”. Essa mentalidade é um passo na direção certa, mas é vazia. O foco na criptografia subjacente, na programação e nas inovações de blockchain pode ser estimulante para um acadêmico, mas carece de fervor. Para o maximalista do darknet, tudo isso é um espetáculo paralelo que não significa nada por si só, porque, no fim das contas, a tecnologia, embora importante, é secundária diante da alma. E para o dinheiro peer-to-peer, essa alma está no criptoanarquismo. Sem a paixão de lutar contra o Estado, o projeto não tem valor — mesmo com o apoio de capitalistas de risco ou com o endosso de celebridades. O dinheiro peer-to-peer é a oportunidade que o cypherpunk tem de mudar completamente o mundo financeiro, e qualquer projeto que não esteja lutando contra algo não merece ser apoiado, pois isso significa que já está embutido no mesmo sistema financeiro tradicional contra o qual devemos lutar.
O Monero encontra-se atualmente na fase de construção de prestígio, o período em que uma criptomoeda peer-to-peer vê sua adoção florescer nos mercados do darknet — um tipo de utilização que faz até mesmo o mais fanático maximalista de olhos laser prestar atenção. O respeito concedido ao Monero não se baseia em seu preço, mas no caso de uso legítimo que continua a provar. Todos os dias, pessoas que não se importam com criptomoedas estão sendo introduzidas ao Monero porque não têm outra escolha. E à medida que mais pessoas aprendem sobre essa forma avançada de dinheiro peer-to-peer, ele passa a ser usado também em mercados da clearnet, e como uma correnteza constante, a adoção no darknet gera demanda que se irradia para outros lugares. Basta olhar para qualquer empresa que publica dados de transações ou perguntar a qualquer defensor da privacidade sobre suas criptomoedas preferidas: fica claro que o Monero se tornou o padrão do dinheiro peer-to-peer, a única criptomoeda capaz de desafiar a dominância do Bitcoin no darknet.
A ironia não me escapa: ao escrever sobre o crescimento do Monero em mercados ilícitos, eu mesmo contribuo para o culto do Moonboyismo do Monero. Não é essa a minha intenção, mas, como maximalista do darknet, fica evidente qual dinheiro peer-to-peer é o campeão. A arte que escolhi para este projeto mostra o icônico camelo da Silk Road reinterpretado com um tom laranja vibrante e a personificação inocente Monero-chan, simbolizando a transição gradual para o Monero. Mas também representa a maré em mudança do dinheiro peer-to-peer, que sofreu com regulações, mas também se adaptou e melhorou. O Monero responde com um counterhook, que atordoou o Estado, mas essa luta não terminará em poucos rounds. Devemos ser vigilantes e intransigentes, porque o moonboyismo pode corromper o Monero como fez com o Bitcoin, se não caminharmos com cautela.
Como devemos reagir? Podemos examinar como a comunidade do Samourai Wallet respondeu, o que nos dá uma visão de como veteranos de gerações anteriores lidaram com as repercussões de um projeto open source com escassez econômica. O que vimos não é exatamente tranquilizador. O contraste entre os tradicionalistas e os novatos que surgiam é exatamente a divisão que ilustramos neste manifesto: a diferença de opinião parecia intransponível. O Bitcoin, que financeiramente se beneficiou enormemente de seu reconhecimento mainstream, perdeu quase toda a intensidade, e para compensar, os cypherpunks restantes zombavam de qualquer um que se atravessasse em seu caminho — e foi eficaz. O Samourai Wallet tornou-se, de muitas formas, um ponto de encontro para os cypherpunks lutando contra Saylor e sua horda. Por um tempo, foi um oásis em um deserto de apostas degeneradas. A cultura do Samourai Wallet trouxe uma distinção clara entre duas escolas de pensamento que não podem coexistir: pro-estatal vs. cypherpunk; ganância vs. utilidade; moonboy vs. maximalista do darknet.
Mas a tragédia do dinheiro peer-to-peer é que o moonboyismo é inevitável. Ao contrário de projetos FOSS como VLC, Debian ou PostgreSQL, a criptomoeda tem escassez, e com isso vêm investimentos potencialmente lucrativos. No Monero, sua oferta limitada artificialmente e seu prestígio crescente podem atrair moonboys em busca do “próximo Bitcoin”, prometendo ganhos astronômicos. Para eles, o Bitcoin é o ativo dos boomers antiquados; o Monero é ousado e ameaçador. O ciclo se repete: ondas de investidores superficiais propagam suas crenças recém-descobertas de que a privacidade é essencial, como se realmente se importassem. E, de fato, seu investimento tem mérito, porque o uso em darknet markets é o status mais poderoso que o dinheiro peer-to-peer pode alcançar. Uma criptomoeda usada em mercados ilícitos é provavelmente aquilo que queremos para o futuro: um contrapeso ao fiat, um hedge virtual, um banco suíço digital — até eu devo admitir que o moonboy tem um bom argumento.
Ainda assim, o maximalista do darknet não se preocupa com preço, mas com filosofia. Somos um grupo endurecido, cypherpunks que já viram o ciclo de vida do Bitcoin, com seus altos e baixos, e portanto, estamos atentos às armadilhas que surgem. Assim como o menor governo inevitavelmente se torna o maior, o Bitcoin se corrompeu pelo sistema que deveria substituir. Mas o que não pode ser substituído é nosso idealismo inabalável, aquele criptoanarquismo ardente que resiste a uma distopia cibernética iminente. Se nossas crenças e protocolos forem atacados, eles apenas se fortalecem, criptografados além do reconhecimento, enterrados ainda mais fundo. Por trás de todo o ruído do mundo cripto, o impulso constante gerado pelos mercados do darknet é inestimável: enquanto houver vida, esses mercados existirão, impulsionados pelo dinheiro peer-to-peer. O espírito do criptoanarquismo sobrevive e se fortalece com isso, e com o tempo, o dinheiro peer-to-peer penetrará em todos os aspectos do sistema financeiro tradicional, assim como a criptografia fez com a internet e os computadores. Como maximalistas do darknet, investimos não em carteiras de criptomoedas, mas em idealismo puro — e fazemos isso não pelo patrimônio geracional, mas porque as gerações futuras dependerão de nós.